
a ponte estabelece uma ligação entre dois mundos. no plano material, liga duas margens de um rio, de um vale profundo ou de um braço de mar, permitindo ou facilitando a comunicação entre povos e realidades até então separados. no plano simbólico, que noutras eras acompanhava e revestia o mero plano material, esta ligação adquiria propriedades re-ligiosas: o construtor de pontes ligava terra com terra, terra com céu, matéria com espírito. a sua função era assimilada à de um sacerdote, a que os romanos chamavam
pontifex, "pontífice", "fazedor ou construtor, de pontes". ele formava o elo de ligação entre a vida de Aquém e de Além. os pontífices romanos constituíam-se em colégio ou ordem sacerdotal, com funções religiosas e jurídicas (direito divino), segundo a máxima, transposta para o cristianismo, "o que ligares na terra será ligado nos céus". ao colégio dos pontífices, ou "colégio pontifício", presidia o "sumo pontífice" ou
pontifex maximus, eleito vitaliciamente pelos seus pares. após uma profunda crise religiosa e vagando o lugar de sumo pontífice, César assume a função e incorpora-a no exercício do poder imperial. com a queda do Império, a designação e a função são assumidas pelo Papado de Roma.
na Idade Média, a "congregação dos irmãos pontífices" do século XII, sob a regra beneditina, encarrega-se da construção de pontes e calçadas. certas lendas, como a de São Gonçalo de Amarante, atribuem ao mestre construtor a função de estabelecer "pontes" também a outros níveis, como a função de "casamenteiro das velhas" (ou seja, das "antigas mulheres"), talvez, dada a configuração do culto, pela adição de funções religiosas pagãs anteriores relativas ao chamado "culto da fertilidade". mas a verdade é que a própria ponte em si se pode relacionar com esse "culto da fertilidade", pois casos há em que nelas se realizam rituais destinados a favorecer a gravidez e o seu bom termo.
certas pontes, pela especial sensação de dificuldade que a sua arquitetura inspira, são conhecidas por "ponte do diabo", pois só o diabo, ou alguém que lhe conheça as artes, seria capaz de as construir. são assim conhecidas, entre outras, a
Ponte da Mizarela (Pt), a
Ponte de Martorell (Cat.), as ruinas da Ponte de Liédana (Na.) e as
Pontes de Olvena (Arag.). as "pontes do diabo", com a respetiva lenda, existem também em França e na Itália.
às vezes, a palavra "ponte" é substituída por "arco", "arcos" ou "arquinho", que reportam à arquitetura da construção.
os topónimos que se seguem relacionam-se com pontes que estiveram na origem do desenvolvimento do respetivo povoado, vila ou cidade:
Alcântara
Alcantarilha - na realidade, "alcantarilha" é uma espécie de "ponte ao contrário", ou seja, uma "construção destinada a permitir que um pequeno canal cruze uma estrada por baixo".
Aldeia da PonteArcos de Valdevez - está por "Arcos de Vale de Vez", sendo "Vez" o rio transposto pela ponte
Brugg (CH)
Cambridge (GB) - "ponte sobre o rio Cam", ou "Ponte de Cam"
Innsbruck (A.) - "ponte sobre o rio Inn", ou "Ponte de Inn"
Most (Cs.)
Mostar (BiH)
Ponferrada (Le.)
Ponteceso (Gz.)
Ponte Barxas (Gz.) - "barxas" por "várzeas"?
Ponte Cesures (Gz.) - há dúvidas sobre "Cesures" ou "Sezures". as duas grafias surgem tamém em Portugal
Ponte da Barca - como "barca" já significava "passagem", "ponte da barca" é uma redundância
Ponte da Mucela
Ponte da Pedra
Ponte das Três Entradas - pela sua forma em "Y"
Ponte de Lima
Ponte de Sor
Ponte d' Eume (Gz.)
Ponte do Arquinho - uma espécie de pleonasmo, já que "arquinho" é a própria ponte
Ponte do Bico
Ponte dos Arcos (Br.) -
Ponte do Sótão - "Sótão" é hidrónimo
Pontela
Pontelha (Pt. e Gz.)
Pontelinha
Ponte Pedrinha (Pt. e Gz.) - topónimo muito frequente, indica construção romana (?).
a estas pontes, tal como às "pontes do diabo", associa-se uma lenda segundo a qual teriam sido construídas durante a noite, ficando no final uma "pedrinha" por colocar, para que não pudessem ser dadas por concluídas. umas vezes é o diabo que as constrói pela noite, outras vezes são os mouros. a "pedrinha" em falta é um artifício para ludibriar o diabo, que estabelece um "preço" pela sua colaboração na obra: a morte dentro de um ano para o primeiro que a atravesse depois de pronta. o diabo sai sempre enganado, pois que o primeiro ser vivo que a atravessa é um gato, um cão ou um porco. é possível que estas lendas estejam associadas aos sacrifícios humanos ou de animais que outrora se fazia para propiciar o bom curso de uma construção.Ponte Vedra (Gz.) - ponte medieval, como indica a forma "vedra", para designar "velha"
Ponte Sezures - ver "Ponte Cesures" (Gz.)
Pontezela - pequena ponte medieval, como indica o diminutivo "cella"
Pontezinha
Pontilhão / Pontilhóm (Pt. e Gz.)
Pontinha (Pt. e Gz.)
Puente la Reina (Na.)
São João da Ponte (Pt. e Br.)
(nota: aqui se retoma e amplia um tópico já
publicado)
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nota: sobre o simbolismo da ponte, ver Jaime Cobreros (1991), El Puente, Ediciones Obelisco, Biblioteca de los Símbolos, nº 2, Barcelona. ver tamém Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (1982), Dictionnaire des Symboles, Robert Laffont/Jupiter, Paris, pp. 777-778.