quarta-feira, 26 de setembro de 2012

género e toponímia

cada vez é maior a tendência para uma "uniformização" do critério de género na referência aos topónimos. tende-se a tratar como masculino todo o topónimo terminado em "o", independentemente da sua origem, significado e pronúncia ("ó" aberto, "o" átono ou "ô" fechado), e de tratar como feminino todo o topónimo terminado em "a". isto resulta, em primeiro lugar, de um desenraizamento absoluto, de uma falta de contacto com os naturais do lugar, aldeia ou vila, quando não de uma posição de sobranceria em relação a tudo o que seja a pronúncia popular, quase sempre considerada "corrompida" ou incorreta; em segundo lugar, do desconhecimento, por quem assim funciona, da origem etimológica e significado do topónimo.
de um modo geral, pode dizer-se que os topónimos correspondentes a nomes comuns (A Aveleira, A Bola, A Estrada, A Figueira, A Guarda, O Porto) têm género, masculino ou feminino conforme o caso. e que outros topónimos são neutros, seja qual for a sua terminação (Braga, Bragança, Chipre, Coimbra, Lisboa, Lorvão, Marvão, etc.).
na Galiza o costume, que já foi nosso também, de antepor o artigo definido facilita o esclarecimento de eventuais dúvidas (A Bola, A Corunha, A Estrada, A Guarda).
mas há exceções que só a prática da Língua e o seu conhecimento profundo poderão deslindar. o que não se obtém nas grandes cidades, povoadas de gente desenraizada e convencida da sua superioridade "cultural".
voltarei ao assunto.

domingo, 13 de maio de 2012

Ásia

Ásia é uma palavra que para nós, os falantes da Língua Portuguesa, vem do Latim a partir do grego "Ασία". é pelo menos o que dizem alguns linguistas. pois, mas a palavra original também não é grega, e ficamos na mesma. na mitologia grega, Clímene ou Ásia é uma oceânide, filha do Oceano e da ninfa Tétis. mas, para lá de nos dizer que a terra Ásia emergiu do mar, como todas as outras, nada nos esclarece sobre a palavra "Ásia" em si. e, tal como em relação a "Europa", também não há certezas sobre a origem da palavra "Ásia"/"Ασία". 

o termo "Ασία" parece ter origem no acádio "(w)aṣû(m)", ou no fenício "asa", que significam "levantar", "sair, nascer" [o sol], isto é, o Oriente, o Leste. e, a ser verdade (é pelo menos plausível), com isto se percebe como o olhar semita via o mundo, estando no centro dele: de cara a norte, viam à esquerda a Europa ("o Ocidente") e à direita a Ásia ("o Oriente").

terça-feira, 8 de maio de 2012

Europa


não existe qualquer certeza sobre a origem do nome Europa, este subcontinente a oeste das antigas civilizações. o que se sabe é que nos séc. IX e VIII a.C. a palavra designava a parte continental da Grécia e que no séc. VI já abrangia territórios mais a norte.

mas há uma lenda grega que reza mais ou menos assim: havia na cidade de Tiro, na Fenícia, um rei cujo nome era Agenor. Agenor tinha uma filha, Europa, disputada em sonhos por duas grandes terras-fêmeas: a Ásia e a terra de Diante. ambas queriam a princesa, mas era vontade de Zeus que Europa se fizesse ao mar. um dia, a princesa foi passear até à praia e um "touro branco" (*) levou-a de viagem até Creta, onde, apaixonado,  se lhe revela como Zeus e dela teve uma prole, da qual se destaca o rei Minos. 

esta lenda revela a crença numa origem oriental - e por que não fenícia? - do nome Europa. se os gregos tivessem a consciência de terem sido os pais da palavra, esta lenda não faria sentido algum. do outro lado das hipóteses etimológicas, os que veem em "europa" uma "vista larga", de acordo com uma hipotética origem grega (de "eurys", «largo», e ‘ops’, «vista»), devem reparar que mais vistas largas há na Ásia ou mesmo em África, pelo que de "vistas largas" está o mundo cheio.


os fenícios falavam uma língua semita, parente próxima do árabe e do hebraico. e por isso há quem veja a palavra Europa como uma derivada de "eureb"/"erebu", parente do "gharb" árabe, isto é, "o por do sol", "o ocidente". 

esta é a etimologia que faz mais sentido, enquanto não lhe descubram melhor origem. na verdade, não existe nenhum continente tão mentalmente voltado a ocidente, nem tão envolto na ideia de finis terrae.


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(*) "touro branco": se compararmos com outros povos com um tipo de organização social idêntica, a designação "touro branco" pode referir-se a um chefe guerreiro de uma tribo ou [con]federação de tribos, ou ao animal totémico destas.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

os fitotopónimos e os topónimos "Mação", "Maçãs", "Macedo", "Maceira", "Manzanares" e Cª.

na senda dos pseudo-"fitotopónimos", há um grupo que há muito tempo me desafia. é o grupo Mação, Maçãs, Macedo, Maceira, Macieira, Macinhata, e assim por diante. neste particular, praticamente todos os autores que consultei vão pela tese da árvore das maçãs, chegando alguns a esgrimir o argumento do "óbvio". ora eu não conheço nada que seja menos óbvio que as coisas "óbvias". escusado será dizer que nunca acreditei nessa possibilidade, porque em muitos outros lugares há melhores e mais saborosas maçãs, que lhes poderiam dar com mais propriedade tal nome.
alguns autores, pouquíssimos, nos quais me incluía eu próprio, ainda admitíamos a possibilidade de uma relação com "mansio/ -onis": "morada", "habitação", "residência"; "pousada", "estalagem", "albergue". o busílis da questão era, e é, o "s" de mansio, porque nenhum destes topónimos nas suas variantes passadas, presentes e interlinguísticas admite o "s", mas sempre o "c" e seus equivalentes "z" ou "ç". por exemplo, Macieira da Lixa era, no séc XI, uilla Mazanaria. logo, há que buscar outra origem para esta família tão mal conhecida e tão precipitadamente rotulada.
a tese da árvore das "maçãs" como origem destes topónimos também é largamente dominante nas Espanhas de falas galego-portuguesa, castelhana e catalã, onde encontramos, entre muitos outros, Maçaeda (Gz.), Maçana (Cat.), Maceda (Gz.), Macedo (Gz.), Maceira (Gz.), Maceiras (Gz.), Macian (Cas.), Macieira (Gz.), Macinheira (Gz.), Macinheiras (Gz.), Mancegal (Gz.), Mancinheiras (Gz.), Manzanal (Cas.), Manzanares (Cas.), Manzanas (Cas.), Manzaneda (Cas.), Manzanedo (Cas.), Manzanera (Cas.), Manzaneruela (Cas.),...
curiosa é a "Maçana" catalã, já que em Catalão maçã se diz "poma".
vamos a ver: "Mação" tem por si a ribeira de Mação; "Maçãs de D. Maria" tem por si a ribeira de Maçãs; na Espanha de fala castelhana, mais propriamente em Madrid, há o rio Manzanares. em Macieiras que eu conheço há lugares do Ribeiro e lugares das Veigas.
não há dúvida, são ribeiros, regatos, riachos, arroios e veigas a mais.
diz-se que estes topónimos provêm do latim mattiana, de onde deriva "maçã". mas em latim maçã dizia-se malum/ -i - de onde os nossos ossos malares, que dão forma às "maçãs do rosto".
mas ainda que assim fosse, se estes topónimos derivassem de mattiana, como explicaríamos então as formas Mancegal, Mancinheira, Manzanas, Manzanares, que pressupõem um étimo em MNTi?
já vimos que por estes lugares abundam ribeiros, veigas, mananciais. ora, em latim a coisa diz-se manatio/ -onis (corrimento, corrente de água). e cá está: MNTi.
mais um saltinho às Espanhas: encontro Manantial (Cas.), Manantiales (Cas.), Manantials (Cat.), Manantio (Cas.).

fitotopónimos?

ou serão "lugares onde corre [muita] água"?


Maçã
Mação
Maçãs
Maçãs de D. Maria
Maceda (Pt. e Gz.)
Macedo (Pt. e Gz.)
Macedo de Cavaleiros
Macedo do Mato
Macedo do Peso
Macedos (Pt. e Gz.)
Maceira (Pt. e Gz.)
Maceira do Liz (Mecenaria, Macenaria – sec 13, Maçanaria)
Maceiras 
Maceirinha
Maceiro (no séc XI: Mazanario)
Macieira da Lixa (no séc. XI: uilla Mazanaria)
Macieira de Alcoba
Macieira de Cambra (Maceneyra, séc- XII; Maceeira, séc-XIV)
Macieira de Rates (Mazieira, séc XIII)
Macinhata da Seixa
Macinhata do Vouga
Manção
Mancelos
Manços
Praia das Maçãs
Rego de Manços
Ribeira de Maçãs
Ribeiro de Mação
Rio de Maçãs 
Rio Maceiras (Gz.)
Vale de Manços


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

os fitotopónimos e o topónimo Figueira e derivados

tenho expressado as minhas fundadas dúvidas sobre aquilo a que a grande maioria dos mestres considera "fitotopónimos", ou seja, aqueles topónimos derivados de nomes de árvores ou de certos tipos de vegetação. um deles é "Carvalho", designação que, por estranho desígnio, é dada a algumas serras. só aqui à volta de Coimbra há várias serras do Carvalho. isso leva a pensar que são carvalhos a mais para designar a mesma coisa (serra) e que também são carvalhos a menos, pois que cada uma destas serras só teria um carvalho. já falei sobre o assunto, pelo que não vou repetir-me. para mim, "Carvalho" é um orónimo e não um fitotopónimo. ponto. também "Sobreiro" e "Sobreira" nada têm que ver com a árvore de que se extrai a cortiça, pois que se trata de adjetivos (derivados de super ou supra) e não de nomes ou substantivos (derivados de suber, -eris): significam "o lugar ou a aldeia que estão num ponto superior, acima de, sobre". o mesmo se passa com "Oliveira", um topónimo que na Galiza conhece também as variantes Olveira e Ulveira, e cuja origem se associa à existência de um pântano ("ulvaria") antes ou no momento da sua fundação, e não à presença de árvores cujo fruto é a azeitona. o mesmo com "Pereira", cuja designação se refere à existência de pedras (pedreira) e não de árvores de fruto que dão peras. e "Castanheira", que se refere a "Costanheira" (terra que fica na encosta de um monte) e não à árvore que dá as castanhas. ou, ainda, "Pinheiro", que se refere a "lugar que fica no pino" (no alto) e não a uma árvore que dê pinhas e, através delas, pinhões.
em toponímia as convergências e assimilações vão-se estabelecendo ao longo dos séculos, acabando em homonímias que toldam a verdadeira origem dos topónimos.
hoje trago outro "fitotopónimo" do qual tenho as mais que suficientes dúvidas para não acreditar na sua natureza fitotoponímica. trata-se de "Figueira" e alguns dos seus derivados, como "Figueiró" e "Figueiroa", que são seus diminutivos, e "Figueiredo", que aponta para um conjunto de "Figueiras". tal como os seus derivados, "Figueira" não designa arbitrariamente um local qualquer. é sempre nome de lugar habitado. e nesse lugar habitado raramente ou nunca existiu figueira que lhe justificasse tal nome. e, ao contrário, nunca vi terra de figos que se chamasse Figueira.
tenho procurado outras explicações conhecidas e publicadas, mas todas elas (como "fagaria", por exemplo) são tão insatisfatórias como a tese da fitotoponímia ("ficaria"). até que cheguei ao latim "figicare", que deu o verbo "ficar". ora "ficar" significa uma série de coisas interessantes, das quais seleciono:

- fixar, fixar-se
- estacionar em algum lugar
- alojar-se
- permanecer
- existir num lugar, estar localizado em
- estabelecer-se

quer dizer, se Figueira e seus derivados provêm não de "ficaria" (a árvore dos figos), mas de "fi[gi]caria" ("a terra onde se fixa, estabelece, aloja, existe ou permanece alguém"), a coisa ganha novo e compreensível sentido: "Figueira" passa a ser "a terra onde alguém se fixou ou ficou a viver" - o que pressupõe que a gente que primeiro a habitou não era de lá, mas sim que foi deslocada para lá por medida de povoamento.
algumas formas arcaicas , como "Fikeiredo", "Fikiredo, "Fikirola", do séc. XI, assentam melhor na ideia de "ficar", "fixar-se", do que na ideia de "figo". e, como que a querer confirmar o acabo de dizer, temos o topónimo "Casas Figueiras", em Vide, concelho de Seia.

e, então, "Figueira" ganha uma equiparação a "Póvoa".
curiosamente, quase por encanto, percebe-se como em certas "Figueiras", ou na sua proximidade, existem lugares chamados "Póvoa"...

Figueiró e Figueiroa passam, então, a ser ou uma "Figueira" mais pequena, ou uma "Figueira" que derivou de outra, por migração de parte da população. e "Figueiredo" passa a ser um grupo de "Figueiras", quer dizer, "Póvoas".

alguns topónimos Figueira e derivados:

Casas Figueiras
Figueira (Pt., Gz. e Br.)
Figueira da Foz
Figueira de Castelo Rodrigo
Figueira de Lorvão
Figueira do Guincho
Figueiras (Pt. e Gz.)
Figueiredo (Pt. e Gz.)
Figueiredo d' Alva
Figueiredo das Donas
Figueirido (Gz.) - contributo de Xosé Barreiro. muito obrigado.
Figueira dos Cavaleiros
Figueirinha
Figueiró (Pt. e Gz.)
Figueiroa - forma evolutivamente anterior a Figueiró
Figueiró dos Vinhos
Figueirós
Figueirosa
Vale de Figueira