é uma ilha muito, muito antiga, povoada ininterruptamente desde a Idade da Pedra. a sua toponímia revela vestígios das línguas mais antigas do planeta e os seus campos ainda mostram antas e menires, inúmeras grutas e desfiladeiros escondem antigos rituais, pinturas rupestres, desenhos misteriosos. gente de um fino humor povoa a ilha.
sempre o povo utilizou armas, tomou chás, bebeu cerveja, sidra e vinho, fumou ervas, soube usar o fogo. tudo isso na exata medida do necessário, a contenção devida, a noção do perigo associado. porque os acidentes sempre podem aparecer quando se usa uma arma, quando se usa uma droga, quando se usa o fogo.
mas eis que,de repente, a ilha foi invadida por gente sem nome nem rosto. o povo sabe que "eles" chegaram, mas não sabe quem são, como são, onde moram. apenas que estudaram os três costumes da ilha e com eles montaram três indústrias. que, aliás, ninguém sabe aonde funcionam.
ninguém os vê fabricar o que fabricam nem vender o que vendem. mas o negócio parece próspero.
começaram a surgir armas na ilha. é claro que armas sempre houve, mas não como aquelas, tão modernas e mortíferas. a gente, até aí cordata e de fino trato, começou a resolver questões recorrendo às novas armas. o número de efetivos policiais aumentou, para tentar travar a onda de crimes. a população prisional cresceu também, por via da criminalidade, e o recrutamento de guardas de cadeia aumentou em flecha. e isso foi achado bom. aumentou o emprego e fez desenvolver a economia da ilha. os agentes policiais e guardas de cadeia tinham agora geladeira, televisão e um carrinho em bom estado. as autoridades pensaram que seria melhor legalizar as armas. haveria mais crimes, mais prevenção, mais repressão, mais o que fazer com gente presidiária. haveria mais emprego e mais pessoas poderiam comprar televisão, carro em bom estado e, talvez, um telefone portátil.
a droga também começou a aparecer pela ilha. drogas sempre a ilha tinha conhecido, mas não tão modernas, de efeito tão forte ou de uso tão à descrição. isso tornou-se evidente pelo comportamento estranho de muita gente, sobretudo jovens. andavam doentes, macilentos, delirantes, sem rumo, necessitados de um cuidado qualquer. e isso foi achado bom. surgiram clínicas, com médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, profissionais de secretaria, telefonistas, professores de ginástica, terapeutas ocupacionais, diretores-gerais, chefes de divisão, pregadores e mesmo charlatães. nunca na ilha tinha havido tanto emprego nem de tanta qualidade. as pessoas agora já tinham computador, televisões plasma, carros novos e telefones portáteis de terceira geração. nunca tal ilha tinha atingido um tão faustoso bem-estar.
as autoridades pensaram que seria melhor legalizar as drogas. haveria mais consumo, mais doentes, mais gente perdida. haveria mais clínicas, mais salas de pregação, mais prevenção, mais reabilitação e, por via disso, mais emprego. e mais pessoas poderiam comprar carro novo, aparelhagem de televisão tipo cinema em casa, telefones de terceira geração e acções na Bolsa.
finalmente, chegaram os incêndios. é claro que fogos sempre tinha havido naquela ilha, por aqueles motivos vulgares, artesanais, que todo o mundo sabe. mas nunca desses fogos científicos, de elevada tecnologia e dimensão de catástrofe. cidades inteiras foram rodeados de chamas, de fumo e de vento assustador. e isso foi achado bom. surgiram aviões enormes, helicópteros, carros de combate ao fogo, escadas magirus de último modelo. nunca na ilha se vira uma coisa assim. pessoas houve que tiveram emprego como simples vigilantes de floresta, outras como bombeiros, outras ainda como pilotos, motoristas, sapadores. a ilha foi filmada de lés a lés por várias cadeias de televisão e as fotografias por satélite mostravam as cidades e aldeias rodeadas de manchas escuras de desolação. alguns compravam agora terrenos devastados por um quarto do preço para depois vender por dez vezes mais. e assim compravam vivendas de luxo e um iate para movimentar os portos. e tudo isso foi achado bom.
as autoridades pensaram legalizar os fogos. haveria mais incêndios, mais movimento de aviões e de helicópteros, mais carros de combate aos incêndios, mais prejuízos, mais seguros, mais vigilantes da floresta, mais polícias e guardas no terreno. e as pessoas poderiam sonhar com vir a ter uma vivenda, um mercedes, um barco num dos portos.
talvez legalizando tudo isso se pudesse saber quem faz o quê. e se pudesse cobrar uma receita fiscal nunca imaginada. e com essa riqueza se pudesse levantar uma Civilização nova e faustosa, que ofuscasse todas as obras e monumentos do passado. seria mais tarde - pensavam - conhecida como a Gloriosa Civilização da Ilha das Três Indústrias.
e quando a ilha estava atingindo o topo de sua fulgurante economia, eis que um não previsto fenómeno ocorreu. os seus habitantes desapareceram, passados pelas armas, sumidos pelas drogas, queimados pelas chamas. e o fogo rasou a terra e tudo o que nela havia: não ficou de pé nem geladeira nem carro em bom estado, nem telefone de terceira geração, nem iate no porto. todos os empregos ficaram vagos. o dinheiro já não teve mais ninguém que o usasse. ninguém chegava na ilha por porto ou aeroporto, pois já não valia a pena chegar em nenhum sítio.
sempre o povo utilizou armas, tomou chás, bebeu cerveja, sidra e vinho, fumou ervas, soube usar o fogo. tudo isso na exata medida do necessário, a contenção devida, a noção do perigo associado. porque os acidentes sempre podem aparecer quando se usa uma arma, quando se usa uma droga, quando se usa o fogo.
mas eis que,de repente, a ilha foi invadida por gente sem nome nem rosto. o povo sabe que "eles" chegaram, mas não sabe quem são, como são, onde moram. apenas que estudaram os três costumes da ilha e com eles montaram três indústrias. que, aliás, ninguém sabe aonde funcionam.
ninguém os vê fabricar o que fabricam nem vender o que vendem. mas o negócio parece próspero.
começaram a surgir armas na ilha. é claro que armas sempre houve, mas não como aquelas, tão modernas e mortíferas. a gente, até aí cordata e de fino trato, começou a resolver questões recorrendo às novas armas. o número de efetivos policiais aumentou, para tentar travar a onda de crimes. a população prisional cresceu também, por via da criminalidade, e o recrutamento de guardas de cadeia aumentou em flecha. e isso foi achado bom. aumentou o emprego e fez desenvolver a economia da ilha. os agentes policiais e guardas de cadeia tinham agora geladeira, televisão e um carrinho em bom estado. as autoridades pensaram que seria melhor legalizar as armas. haveria mais crimes, mais prevenção, mais repressão, mais o que fazer com gente presidiária. haveria mais emprego e mais pessoas poderiam comprar televisão, carro em bom estado e, talvez, um telefone portátil.
a droga também começou a aparecer pela ilha. drogas sempre a ilha tinha conhecido, mas não tão modernas, de efeito tão forte ou de uso tão à descrição. isso tornou-se evidente pelo comportamento estranho de muita gente, sobretudo jovens. andavam doentes, macilentos, delirantes, sem rumo, necessitados de um cuidado qualquer. e isso foi achado bom. surgiram clínicas, com médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, profissionais de secretaria, telefonistas, professores de ginástica, terapeutas ocupacionais, diretores-gerais, chefes de divisão, pregadores e mesmo charlatães. nunca na ilha tinha havido tanto emprego nem de tanta qualidade. as pessoas agora já tinham computador, televisões plasma, carros novos e telefones portáteis de terceira geração. nunca tal ilha tinha atingido um tão faustoso bem-estar.
as autoridades pensaram que seria melhor legalizar as drogas. haveria mais consumo, mais doentes, mais gente perdida. haveria mais clínicas, mais salas de pregação, mais prevenção, mais reabilitação e, por via disso, mais emprego. e mais pessoas poderiam comprar carro novo, aparelhagem de televisão tipo cinema em casa, telefones de terceira geração e acções na Bolsa.
finalmente, chegaram os incêndios. é claro que fogos sempre tinha havido naquela ilha, por aqueles motivos vulgares, artesanais, que todo o mundo sabe. mas nunca desses fogos científicos, de elevada tecnologia e dimensão de catástrofe. cidades inteiras foram rodeados de chamas, de fumo e de vento assustador. e isso foi achado bom. surgiram aviões enormes, helicópteros, carros de combate ao fogo, escadas magirus de último modelo. nunca na ilha se vira uma coisa assim. pessoas houve que tiveram emprego como simples vigilantes de floresta, outras como bombeiros, outras ainda como pilotos, motoristas, sapadores. a ilha foi filmada de lés a lés por várias cadeias de televisão e as fotografias por satélite mostravam as cidades e aldeias rodeadas de manchas escuras de desolação. alguns compravam agora terrenos devastados por um quarto do preço para depois vender por dez vezes mais. e assim compravam vivendas de luxo e um iate para movimentar os portos. e tudo isso foi achado bom.
as autoridades pensaram legalizar os fogos. haveria mais incêndios, mais movimento de aviões e de helicópteros, mais carros de combate aos incêndios, mais prejuízos, mais seguros, mais vigilantes da floresta, mais polícias e guardas no terreno. e as pessoas poderiam sonhar com vir a ter uma vivenda, um mercedes, um barco num dos portos.
talvez legalizando tudo isso se pudesse saber quem faz o quê. e se pudesse cobrar uma receita fiscal nunca imaginada. e com essa riqueza se pudesse levantar uma Civilização nova e faustosa, que ofuscasse todas as obras e monumentos do passado. seria mais tarde - pensavam - conhecida como a Gloriosa Civilização da Ilha das Três Indústrias.
e quando a ilha estava atingindo o topo de sua fulgurante economia, eis que um não previsto fenómeno ocorreu. os seus habitantes desapareceram, passados pelas armas, sumidos pelas drogas, queimados pelas chamas. e o fogo rasou a terra e tudo o que nela havia: não ficou de pé nem geladeira nem carro em bom estado, nem telefone de terceira geração, nem iate no porto. todos os empregos ficaram vagos. o dinheiro já não teve mais ninguém que o usasse. ninguém chegava na ilha por porto ou aeroporto, pois já não valia a pena chegar em nenhum sítio.
5 comentários:
Olá, meu amigo viajante, eu ando meio desblogado, umas coisas pessoais aqui, uns compromissos de trabalho ali, mas até o inicio de setembro eu recomeço. Obrigado pela preocupação e um grande abraço desde São Paulo.
O sopro genesíaco-apocalíptico desta alegoria é devastador. Parabéns pelo dom da profecia (se é que se pode dar parabéns por sermos bons mensageiros de desgraças).
na verdade, creio que não mereço parabéns. se o que eu relato estiver certo,a desgraça é anterior à profecia.
um abraço.
Caro Jose Cunha, este conto é de sua autoria?
Cabe aqui nesta ilha que vivo como uma luva.
Gostei bastante.
é. a história não é minha. é da realidade. a ilha das tres indústrias existe em todos os mares. mas esta aqui eu conheço melhor.
aquele abraço
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