quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

os fitotopónimos e o topónimo Figueira e derivados

tenho expressado as minhas fundadas dúvidas sobre aquilo a que a grande maioria dos mestres considera "fitotopónimos", ou seja, aqueles topónimos derivados de nomes de árvores ou de certos tipos de vegetação. um deles é "Carvalho", designação que, por estranho desígnio, é dada a algumas serras. só aqui à volta de Coimbra há várias serras do Carvalho. isso leva a pensar que são carvalhos a mais para designar a mesma coisa (serra) e que também são carvalhos a menos, pois que cada uma destas serras só teria um carvalho. já falei sobre o assunto, pelo que não vou repetir-me. para mim, "Carvalho" é um orónimo e não um fitotopónimo. ponto. também "Sobreiro" e "Sobreira" nada têm que ver com a árvore de que se extrai a cortiça, pois que se trata de adjetivos (derivados de super ou supra) e não de nomes ou substantivos (derivados de suber, -eris): significam "o lugar ou a aldeia que estão num ponto superior, acima de, sobre". o mesmo se passa com "Oliveira", um topónimo que na Galiza conhece também as variantes Olveira e Ulveira, e cuja origem se associa à existência de um pântano ("ulvaria") antes ou no momento da sua fundação, e não à presença de árvores cujo fruto é a azeitona. o mesmo com "Pereira", cuja designação se refere à existência de pedras (pedreira) e não de árvores de fruto que dão peras. e "Castanheira", que se refere a "Costanheira" (terra que fica na encosta de um monte) e não à árvore que dá as castanhas. ou, ainda, "Pinheiro", que se refere a "lugar que fica no pino" (no alto) e não a uma árvore que dê pinhas e, através delas, pinhões.
em toponímia as convergências e assimilações vão-se estabelecendo ao longo dos séculos, acabando em homonímias que toldam a verdadeira origem dos topónimos.
hoje trago outro "fitotopónimo" do qual tenho as mais que suficientes dúvidas para não acreditar na sua natureza fitotoponímica. trata-se de "Figueira" e alguns dos seus derivados, como "Figueiró" e "Figueiroa", que são seus diminutivos, e "Figueiredo", que aponta para um conjunto de "Figueiras". tal como os seus derivados, "Figueira" não designa arbitrariamente um local qualquer. é sempre nome de lugar habitado. e nesse lugar habitado raramente ou nunca existiu figueira que lhe justificasse tal nome. e, ao contrário, nunca vi terra de figos que se chamasse Figueira.
tenho procurado outras explicações conhecidas e publicadas, mas todas elas (como "fagaria", por exemplo) são tão insatisfatórias como a tese da fitotoponímia ("ficaria"). até que cheguei ao latim "figicare", que deu o verbo "ficar". ora "ficar" significa uma série de coisas interessantes, das quais seleciono:

- fixar, fixar-se
- estacionar em algum lugar
- alojar-se
- permanecer
- existir num lugar, estar localizado em
- estabelecer-se

quer dizer, se Figueira e seus derivados provêm não de "ficaria" (a árvore dos figos), mas de "fi[gi]caria" ("a terra onde se fixa, estabelece, aloja, existe ou permanece alguém"), a coisa ganha novo e compreensível sentido: "Figueira" passa a ser "a terra onde alguém se fixou ou ficou a viver" - o que pressupõe que a gente que primeiro a habitou não era de lá, mas sim que foi deslocada para lá por medida de povoamento.
algumas formas arcaicas , como "Fikeiredo", "Fikiredo, "Fikirola", do séc. XI, assentam melhor na ideia de "ficar", "fixar-se", do que na ideia de "figo". e, como que a querer confirmar o acabo de dizer, temos o topónimo "Casas Figueiras", em Vide, concelho de Seia.

e, então, "Figueira" ganha uma equiparação a "Póvoa".
curiosamente, quase por encanto, percebe-se como em certas "Figueiras", ou na sua proximidade, existem lugares chamados "Póvoa"...

Figueiró e Figueiroa passam, então, a ser ou uma "Figueira" mais pequena, ou uma "Figueira" que derivou de outra, por migração de parte da população. e "Figueiredo" passa a ser um grupo de "Figueiras", quer dizer, "Póvoas".

alguns topónimos Figueira e derivados:

Casas Figueiras
Figueira (Pt., Gz. e Br.)
Figueira da Foz
Figueira de Castelo Rodrigo
Figueira de Lorvão
Figueira do Guincho
Figueiras (Pt. e Gz.)
Figueiredo (Pt. e Gz.)
Figueiredo d' Alva
Figueiredo das Donas
Figueirido (Gz.) - contributo de Xosé Barreiro. muito obrigado.
Figueira dos Cavaleiros
Figueirinha
Figueiró (Pt. e Gz.)
Figueiroa - forma evolutivamente anterior a Figueiró
Figueiró dos Vinhos
Figueirós
Figueirosa
Vale de Figueira

8 comentários:

Massano Cardoso disse...

Sim senhor. Vale a pena ler e refletir. Muito interessante este tipo de abordagem. Desconhecia por completo esta toma de interpretação. Parabéns. Uma lógica impressionante.

Massano Cardoso disse...

esta "forma" de interpretação...

josé cunha-oliveira disse...

muito obrigado pela apreciação.

Anônimo disse...

Opa! Impressionante! Vivo na Galiza, a poucos quilómetros da freguesia de Olveira, no concelho da Ribeira, A Corunha. Nunca se viu cá umha oliveira... mais o território de Olveira está à beira dumha antiga área pantanosa quase colmatada polo tempo! Chapeau! Sinto até vergonha de ter crido que havia cá umha relaçom coas olivas! Parabéns.

josé cunha-oliveira disse...

muito obrigado pelo seu contributo.

Francisco Fernandes disse...

Devia escrever mais vezes!(compreendo: cada um tem a sua vida)

Unknown disse...

Perto de Pontevedra, na Galiza, existe "Figueirido"...por se o quiser incorporar á sua lista de topónimos. Obrigado pelo traballo.

Xosé Barreiro

josé cunha-oliveira disse...

"Filgueira" é uma variante dialetal de "Felgueira" e vice.versa.