quarta-feira, 3 de maio de 2006

triste sina, a nossa

uma língua é um espaço de comunicabilidade. tem uma estrutura, uma organização interna, um conjunto léxico comum, uma pronúncia individual, sotaques diferentes, variantes, dialetos, mas é um espaço de parentesco e de semelhança não partilhado com mais nenhum código linguístico. de imediato percebemos se alguém usa o código linguístico português ou castelhano, inglês ou neerlandês, polaco ou russo. mesmo que a pronúncia ou variantes do léxico nos digam que, afinal, o inglês é da América ou da Austrália, o neerlandês da Bélgica ou da Holanda, o francês da França, da Bélgica ou do Quebeque, o castelhano de Espanha, de Cuba ou da Argentina, o russo da Rússia ou da Ucrânia. quanto ao sotaque, bem, o sotaque só é detetado por quem ouve, não por quem fala. e a compreensibilidade da pronúncia é, simplesmente, uma questão de tempo, de integração. mesmo o português de Portugal pode criar dificuldades a um português, se a pessoa que fala for de certas zonas da Beira Baixa ou da Ilha de S. Miguel, ou de certos lugares da Madeira. isso não faz com que a pessoa que fala fale beira-baixês, micaelense ou madeirense.
é impossível falar uma língua regular, uniforme, imutável e "sem sotaque". mesmo uma língua morta, na sua uniformidade e regularidade de defunta, é mutável e tem o sotaque e a pronúncia individual de quem a usa.
a língua não é de ninguém, sob pena de só existir na boca de quem a fala.
vem isto a propósito de um incidente ocorrido quando da visita de Saramago ao Brasil. falando num português de Portugal, o nosso escritor causou estranheza aos falantes brasileiros, pouco habituados a quem fala depressa, complicado e ainda por cima fechado. alguém lhe fez notar a dificuldade, apontando-lhe o problema do "sotaque".
ofendido - suponho - , o nobelado respondeu: "a língua é minha, o sotaque é seu"...
mas...que diabo deu a Saramago, para falar uma língua dele - e ainda por cima sem "sotaque"?



2 comentários:

Jo Lorib disse...

É muito triste isso, o premio Nobel lhe subiu à cabeça. Também nunca foi meu escritor favorito, embora tenha lido dois ou três de seus livros.Abraços desde São Paulo.

ZéZé de Moledo disse...

Concordo. Foi uma tirada infeliz do Saramago, quem as não tem?
Mas há por aí muita gente, até pessoal com "responsabilidades", que tem essa mania da propriedade da língua. Simplesmente ridículos!

Cumpriemntos