quinta-feira, 11 de maio de 2006

Uma Invasão de Formigas


encontrei por acaso esta belissima fábula argentina, que suponho ser de origem ibérica, intitulada "invasão de formigas", que me trouxe à memória uma série de lendas sobre antigos povoados pré-históricos em lugares altos, abandonados pelos seus habitantes obrigados a descer para as campinas.

a anomalia destas lendas (de "formigas", mas também de "mosquitos") é que uma invasão real desse tipo de bichos provocaria, na terra dos comuns, o movimento inverso, ou seja, de baixo para cima, nunca do alto dos montes para a planície. é, pois, uma realidade do mundo da memória, do sonho, da lenda, feito de bocadinhos do real vivido pelas gerações que já partiram. uma história que deixa sempre o rabo de fora para podermos deduzir onde está o gato.

como é bom de ver, essa fábula, assim como as lendas que me evoca, referem-se a outro tipo de invasões e a outro tipo de insetos arrumadinhos em fila e de passo ordenado, aliás muito em voga nos tempos que correm. de início, os intrusos parecem simpáticos, até benvindos, quem sabe. mas depressa se dá conta que, afinal, não são assim tão bem intencionados nem tão inofensivos. semeiam a desordem e a devastação por onde passam, impõem o que fazem, fazem o que querem e destroem o jardim.
a invasão de que falam as lendas é, sobretudo, a conquista romana. não sei a que se deve o nome de "formigas" dado ao exército romano. pode ser uma alcunha depreciativa ou um nome de código. mas é tentador pensar que, do alto dos povoados em questão, o exército romano em movimento se assemelhasse a um carreiro de formigas-macho. tenho notícia de que em algumas regiões as estradas romanas têm o nome "carreiro da formiga" ou "das formigas".

(o caso da "invasão de mosquitos" evoca uma movimentação mais desordenada, mais incómoda, mas, talvez, mais superficial)

a invasão romana não terá sido a primeira que ficou registada em lenda. no fundo dessa memória coalhada há quem veja a invasão das tribos celtas.

a política dos romanos foi a de forçar as populações que viviam nos castros a descer para campo aberto, a fim de melhor as controlar.

a mesma estratégia foi depois seguida pelas autoridades eclesiásticas em relação aos cultos pagãos que persistiam nos montes já despovoados. essa política saldou-se, em muitos casos, por um curioso "empate": uma capela no alto, um templo cá em baixo. e, nas festas, uma procissão inaugural de cima para baixo e uma procissão de encerramento, de baixo para cima, com o retorno da Santa à sua capela. ou vice-versa, consoante o costume.

o êxito total dessas políticas só está sendo conseguido nos tempos que correm, com o abandono acelerado das últimas aldeias serranas.
outras "formigas", a mesma política.
mas a verdade é que a melhor defesa contra a praga das formigas é mesmo morar num ponto alto.


a invasão de formigas:

Castelo Novo (Fundão) - existiria uma povoação com o nome de «Alpreada», de onde o povo que lá morava teve de sair, por causa de uma «invasão de formigas» (o exército romano).

Cerdedelo (Gz) - terá existido um castro em Fondo de Vila, de onde a população se mudou para Cerdedelo por causa de uma "invasão de formigas".

Chã das Formigas (Gz.) - graf. altern. "Chan das Formigas". é um recinto megalítico.

Fernão Joanes (Guarda) - a primeira aldeia teria nascido numa quinta, num lugar chamado A Comichão. Em virtude de uma «invasão de formigas», a população mudou-se para o lugar da actual, Fernão Joanes.

Galafura (Peso da Régua) - o «cemitério dos mouros» indica a presença de um velho povoado. diz-se que nesse monte os antigos habitantes tiveram que sair por causa de uma «invasão de formigas» (os romanos que, lá em baixo, na estrada militar, pareciam formigas).

Pêro Viseu (Covilhã) - na cabeço da Arremexa (ou S. Marcos) existiu um povoado, de que restam vestígios arquelógicos e religiosos. diz-se que os habitantes deste povoado se viram obrigados a retirar para o Cabeço da Malha por causa de uma invasão de formigas. a partir deste local desenvolveu-se "Pêro Viseu", cujo nome nos remete para "pedras" (pêro: penedo) e uma função militar (viseu: guarda, vigia, atalaia)

Piódão - a lenda aqui contém uma anomalia, que como todas as anomalias tem um significado reforçado. diz-se que o povoado original era Piódão Velho, localizado bem perto mas a uma menor altitude. aqui, a "invasão de formigas" fez com que os habitantes fossem mais para cima, o que constitui uma exceção. representa a fuga dos habitantes para lugar mais inacessível

Póvoa de Agrações (Chaves) - no monte de S. Pedrinho existiu um povoado ou castro de um povo pré-histórico, que se viu obrigado a «descer» para a Ribeira de Oura, em virtude de uma «invasão de formigas». Neste caso, há o pormenor curioso de serem formigas-macho, "que não fazem nada", isto é, ...soldados!

S. Vicente do Gerês (Montalegre) - consoante as versões, o povoado foi abandonada em virtude de uma peste, uma fome ou uma «invasão de formigas» (romanos).

Telhado (Fundão) - : povoação antiga, foi o seu primitivo assento o vale da Carantonha, com a denominação de Nossa Senhora da Carantonha. os seus habitantes viram-se obrigados a abandonar o local por causa de uma invasão de formigas, que os perseguiam e lhes causavam grave dano às sementeiras.

Torre de Moncorvo - diz a lenda popular que Torre de Moncorvo resulta da fuga das gentes de Santa Cruz de Vilariça face a uma "invasão de formigas" e a uma "praga de mosquitos". esta lenda parece conter dois tempos ou épocas: a invasão romana (as "formigas") e uma invasão posterior, talvez germânica, talvez árabe (os "mosquitos").

Velho Airão (Parque Nacional do Jaú - Amazonas, BR) - esta é uma cidade abandonada na selva, dizem que por causa de uma invasão de formigas. neste caso, "formiga" é mesmo formiga?


10 comentários:

Lengo D'Noronha disse...

Caro Jose Cunha. Obrigado pela visita.
No caso de Velho Airão é formiga mesmo, acho.
Dizem que as verdadeiras feras da selva Amazônica são as centenas de espécies de formigas que por lá habitam.
Grande abraço.

Jo Lorib disse...

Sumiu ? Faz já dez dias que não escreve, será que as formigas...

josé cunha-oliveira disse...

fui dar uma volta. regressei hoje mesmo. não vi formiga por lá.
aquele abraço

Lengo D'Noronha disse...

Agora sei porque assina 'o viajante'...

josé cunha-oliveira disse...

é isso mesmo...

Al Cardoso disse...

Tambem no meu municipio existe a lenda de que a gente que tera fundado Maceira, para aqui se deslocou, porque a povoacao original, local hoje identificado por Parredizio, foi invadido por formigas.

josé cunha-oliveira disse...

muito obrigado pela informação. fala de Maceira D'Ão (ou Maceira Dão, como agora se escreve?)
seria interessante reunir todos estes casos
um abraço

Carantonha disse...

Fico contente de falarem da minha terra, Telhado a Nova Carantonha. O que restou dela foi apenas uma pequena ermida, onde fazemos agora uma bela festa no primeiro fim de semana de Setembro. Deixou de ser Nossa Senhora da Carantonha, para se passar a chamar Nossa Senhora da Rosa.

Carantonha

http://carantonhatelhado.blogspot.com/

Anônimo disse...

Num blog que escrevi falo num problema relacionado com formigas, em cima de uma laranjeira, ao tentar colher o fruto bati no ninho desses bicinhos que imediatamente tive que me raspar porque quase me queriam comer vivo, isto aconteceu no norte de Angola.Èra mesmo formiga.

Valentim Coelho disse...

a lenda das formigas é muito comum nas aldeias da região do Douro. Provesende, São Cristóvão do Douro entre outras aldeias têm a mesma lenda. Seriam as invasões romanas?? não sei, mas o que aconteceu foi um acontecimento em larga escala e que teve um impacto profundo nas populações, pois isso anida hoje perdura nas lendas.
cumprimentos