quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Góis

Góis é uma vila do distrito de Coimbra, entre a Lousã e Arganil. há, porém, outras "Góis" na toponímia portuguesa, a maior parte das quais, se não todas, derivadas, referidas ou transpostas deste topónimo beirão. o mesmo se passa com as Góis existentes no Brasil.
o seu nome aponta para uma muito remota antiguidade.
há quem queira ver neste topónimo uma derivação do gótico "gauja": "o habitante de um pagus ou aldeia; aldeão". nesse caso, não se compreende a lógica de chamar a uma aldeia o nome que designa os seus habitantes. seria como querer chamar-lhe "A dos Aldeões", ou "A dos Vizinhos".
mais sentido faz a explicação do topónimo pela sua derivação basca ou ibera, que persiste na toponímia e na onomástica euskera, como em Goikoetxea / Goyeche / Goieche ("casa cimeira"). e nesse caso, ficaria atestada a antiguidade da povoação, que remontaria aos primórdios do povoamento peninsular. "goiko" significa "alto", "superior", "que está em cima".
e esta é uma constante toponímica, que se repete sob diversas formas, origens e evoluções linguísticas, como em Altinho, Cumeira, Outeiro, Pinheiro, Pinho, Sobral, Sobreira, Sobreposta, Susã.






quinta-feira, 14 de novembro de 2013

o Abade nem sempre é padre

por muito estranho que hoje pareça, "Abade" em toponímia é um hidrónimo.
surge na toponímia galego-portuguesa sob as variantes dialetais Ba, Bade e Vade , sendo que o "Vade" português deverá ser uma hipercorreção de origem erudita em lugar de "Bade". pode, porém, haver contributos linguísticos muito diversos para resultados idênticos. no atual euskera "ibai" significa "ribeira". tem origem num anterior "bai", não sei se o mesmo que o "Bad". há quem veja esta raiz nos topónimos "Baião" e "Baiona".
não contente com ser um hidrónimo, cujo significado é o mesmo que "ribeiro" ou "córrego" ou "regueiro", Abade aparece em formas compostas de cariz pleonástico, como Ribeira do Abade, ou associado a palavras que indicam a natureza do "abade", como "Vale de Abade". o hidrónimo pleonástico "Abade de Neiva" é interessante pela presença de duas designações de "ribeiro" em línguas diferentes, sendo "Abade" pré-céltico e "Neiva", o mesmo que "Navia", um vocábulo celta.

exemplos de topónimos com "Abade":

Abad ou Abade (Gz.)
Abade

Abade de Neiva - um pleonasmo, já que "Neiva" é o nome de um ribeiro que quer dizer exatamente "ribeiro, rio" (Inquirições de 1220 e 1250: "Abbade"). 

Abades - um plural que é uma espécie de "gato escondido com o rabo de fora", uma vez que não é comum haver mais que um abade na mesma abadia.

Abadia - como em "Senhora da Abadia". na Senhora da Abadia, Santa Maria de Bouro, Amares, corre o rio Nava (célt.=ribeiro, manancial), penso que esta "abadia" se refere ao ribeiro e não à Abadia de Bouro, pois que esta é posterior ao culto da "Senhora".

Abadias - plural que constitui mais um "gato escondido com o rabo de fora". à letra: "lugar onde correm regueiros ou regatos".

A Braña (ou Branha) da Fonte de Abade (Gz.)
A Devesa de Bade (Gz.)
A do Abade (Gz.)
A Fonte de Abade de Abaixo (Gz.)
A Lama do Abade (Gz.)
Bade (Gz.)
Cachoeira do Abade (Br.)
Campo de Abade
Casal do Abade
Dabades
Fonte do Abade
Ponte do Abade
Portela do Vade
Ribeira de Abade
Ribeira de Abadia
Souto de Abade
Vade
Vale do Abade
Veiga de Abade (Gz.)
Vinha de Abades

nota: em geral, no Brasil, o topónimo "Abade" não tem esta etimologia ancestral. refere-se efetivamente a alguém que fez parte da estrutura eclesiástica, como "São Bento Abade", "São Pedro Abade", "Vila Santo Antônio Abade". já a "Cachoeira do Abade" não sei se não terá um "abade" galego-português.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

120 000 visualizações.

hoje o Toponímia Galego-Portuguesa e Brasileira atingiu as 120 000 visualizações. isto apesar de o ritmo de publicação ter abrandado. é sem dúvida um estímulo a que continue e se aprofunde. obrigado a todos.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Picha

os habitantes desta aldeia do concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, divertem-se com o sentido brejeiro que pode ter a palavra que dá nome à sua terra. e, tanto quanto sei, já perderam a memória do seu significado original, o qual, assim o julgo, é claro como água.
de acordo com o Dicionário Estraviz, que nos é comum a portugueses e galegos, significa "órgão genital masculino" (fam.), é certo, mas também "fonte pequena que deita água". de facto, é possível que o nome da terra derive do segundo significado. a palavra "picha" tem, nesta aceção, as paralelas "picho" e "pichel", ambas associadas à ideia de água ou dispositivos que a recolham ou por onde ela escorre. ainda desta família, existe o "picheleiro", palavra do Norte de Portugal e da Galiza que designa aquele que faz recipientes de lata ou de estanho para água ou vinho. existe ainda a "picheira", que será o mesmo que "pichel", vasilha para tirar vinho das pipas ou caneca ou infusa de onde se bebe ou se tira o vinho para os copos.
fica também claro que "picha", no sentido brejeiro da palavra, está mais associada à ideia de órgão por onde sai a urina (a "água") do que, propriamente, ao sentido de órgão sexual.
Deste modo não se estranhe que as duas conotações se juntem frequentemente. é o caso do Manneken Pis, em Bruxelas.
em Lisboa há o "Jardim das Pichas Murchas", cujo significado é, agora, óbvio: "jardim das bicas (ou fontes) secas".

domingo, 28 de julho de 2013

recordações do tempo dos castros


a toponímia conserva a recordação de lugares antigamente povoados, pertencentes à chamada "cultura castreja". alguns dos nomes fazem referência ao caráter sagrado do lugar (Cabeça Santa, Monsanto), outros ao númen divino que os protegia (Santa Luzia, Santa Tecla, Senhora da Cola, Santo Ovídio, São Miguel), outros à sua dimensão (Castelinho, Castro Maior) e outros ainda à sua antiguidade (Castro Verde).

mais resumidamente, já me referi a este tema numa postagem de 31 de agosto de 2006.


aqui vão alguns topónimos, que irei acrescentando à medida que me ocorram:

Alto da Cividade
Alto do Circo
Cabeça Santa
Cabeço Cercado
Cabeço dos Mouros
Castelejo
Castelinho
Castelo
Castelo de Paiva
Castelo dos Mouros
Castelo Rodrigo
Castêlo
Castêlo da Maia
Castelucho
Castendo
Castragosa
Castralhouço
Castrelo (Pt. e Gz.)
Castrelo do Val (Gz.)
Castrelos
Castrilhão
Castro (Pt. e Gz.)
Castro da Cidá (Gz.)
Castro d' Aire
Castro da Ponte
Castro de Avelãs
Castro de Barrega
Castro de Cabras
Castro de Lagarelhos
Castro de Ourilhe
Castro de Ovil

Castro de São Paio – recordação do númen padroeiro do castro (cristianizado)

Castro do Rei (Gz.)
Castro dos Mouros
Castro Mau
Castro Pedroso
Castro Laboreiro
Castro Maior
Castro Marim
Castromau – variante "Castromao" (Gz.)
Castromil (Pt. e Gz.)
Castroverde (Gz.)
Castro Verde
Cerca dos Mouros
Cidade Velha
Cividade
Círculo
Citânia
Coroa
Coroas
Coronado
Crasto

Crestuma – de "castro do Úmia ou Uima", o ribeiro que lá passa.

Cristelo
Cristelos
Monforte
Monforte de Lemos (Gz.)
Monsanto
Monte Castelo – pronúncia "Monte Castêlo"
Monte Castro
Monte Crasto
Monte da Saia

Monte de São Félix  –  recordação do númen padroeiro do castro (cristianizado)

Monte Mozinho – pronúncia "Monte Mòzinho"
Monte Murado

Os Castros (Pt. e Gz.)
Outeiro Maior
Penalba (Gz.)
Penalva d' Alva
Penalva do Castelo

Pena Mourisca

Santa Luzia  – recordação do númen feminino padroeiro do castro (cristianizado)

Santa Tecla  – recordação do númen feminino padroeiro do castro (cristianizado)

Santo Ovídio – recordação do númen padroeiro do castro (cristianizado)

São Miguel-o-Anjo  – recordação do númen alado padroeiro do castro (cristianizado)

Senhora da Cola – recordação do númen feminino padroeiro do castro

Senhora do Círculo – recordação do númen feminino padroeiro do castro

Senhoras do Monte – recordação de uma trindade feminina que protegia o lugar

Terronha
Terronhas

Trá-lo-Crasto – "lugar que fica por detrás do castro", designação que se infere ter sido dada por povo do lado contrário


nota: aceito contributos para esta lista. obrigado.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

topónimo "Pessegueiro" e derivados: mais uma vez a pseudo-Fitotoponímia

o topónimo "Pessegueiro" é mais um daqueles habitualmente associados à ideia de Fitotoponímia, isto é, à noção de que se referirá ao nome de uma árvore ou às caraterísticas específicas da flora local. há quem se tenha apercebido das dificuldades levantadas por este topónimo, e em especial dos seus derivados e variantes como "Pexegueiro", Pexeiros, Pixeiros", etc., etc., e, acima de tudo, pela sua relação com a água (Ilha do Pessegueiro, Rio Pessegueiro, Rio Pexegueiro). daí que tenha sido associado à ideia de abundância de peixes. e, claro, daí a atribuir-se-lhe uma etimologia em "piscis" vai o passo de um pardal. mas peixes é o que mares e rios têm mais e nada faz crer que os locais chamados "Pessegueiro", ou seus derivados e variantes, tenham uma especial abundância em peixe que seja razão para o nome que têm. mais complicado, ainda, é o facto de estes topónimos terem formas anteriores em "Peshigeiro" e "Pecegueiro". 
assim sendo, teremos que ir por outros caminhos. que, pelo menos, tenham mais lógica e plausibilidade.

outra coisa que os rios têm junto às povoações, para lá da carência ou abundância em peixe, é a maior ou menor possibilidade de serem atravessados a pé, a nado, de barco ou por cima de pontes. o que, em cada caso, merece a respetiva e adequada toponímia (Coiço, Couce, Couço, Vau, Barca, Barco, Ponte, etc.). e aí, indo pelo latim, mas por "pes/pedis (pé) e siccum/sicci (seco) ou ainda "sequor" (dirigir-se para, ir em direção a), sempre a coisa distingue melhor um local ou um rio dos restantes da mesma espécie. 
estou, portanto, em crer que estes topónimos se referem a lugares onde é possível a passagem sobre as águas ou a águas que permitem que lhes passem a pé por cima.

Topónimos "Pessegueiro", derivados e variantes:

Ilha do Pessegueiro
Monte do Pessegueiro
Pessegueira (Gz.)
Pessegueiro (Pt. e Gz.)
Pessegueiro de Baixo - era "Peshigeiro" no séc. XVIII
Pessegueiro de Cima
Pessegueiro do Vouga - já foi "Pecegueiro"
Pexegueiro (Gz.)
Pexegueiros (Gz.)
Pexeiroos (Gz.)
Pexeiros (Gz.)
Pixeiros (Gz.)
Rio Pessegueiro
São João da Pesqueira (?)


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Alavandeira, Lavandeira

os topónimos "Alavandeira" e "Lavandeira" aparecem na Galiza e no Norte e Centro de Portugal, sempre associados à presença de um pequeno ribeiro. são, por conseguinte, hidrónimos. a sua raiz "lav-" é a mesma de "lavar", pressupondo a ideia de "água corrente". 

Pinhel, Espinhel

estes dois topónimos referem-se a localidades situadas em lugar que sobressai por ser mais elevado que os lugares em volta. derivam de "pino", ou "pinho", e "espinho", constituindo diminutivos com pronúncia galego-portuguesa meridional (moçarábica). um pouco mais nortenhos e seriam "pinhelo" ou, mais tarde,  "pinheirinho" e "espinhelo". 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Cubo

o topónimo "Cubo" é relativamente raro e encontra-se sobretudo na Galiza e no Norte e Centro de Portugal. pode ser uma construção em forma de cubo, habitualmente de pedra, ou uma pequena torre. e a sua função é funerária. representa o túmulo de alguém suficientemente importante na época para justificar o trabalho da sua construção.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

género e toponímia

cada vez é maior a tendência para uma "uniformização" do critério de género na referência aos topónimos. tende-se a tratar como masculino todo o topónimo terminado em "o", independentemente da sua origem, significado e pronúncia ("ó" aberto, "o" átono ou "ô" fechado), e de tratar como feminino todo o topónimo terminado em "a". isto resulta, em primeiro lugar, de um desenraizamento absoluto, de uma falta de contacto com os naturais do lugar, aldeia ou vila, quando não de uma posição de sobranceria em relação a tudo o que seja a pronúncia popular, quase sempre considerada "corrompida" ou incorreta; em segundo lugar, do desconhecimento, por quem assim funciona, da origem etimológica e significado do topónimo.
de um modo geral, pode dizer-se que os topónimos correspondentes a nomes comuns (A Aveleira, A Bola, A Estrada, A Figueira, A Guarda, O Porto) têm género, masculino ou feminino conforme o caso. e que outros topónimos são neutros, seja qual for a sua terminação (Braga, Bragança, Chipre, Coimbra, Lisboa, Lorvão, Marvão, etc.).
na Galiza o costume, que já foi nosso também, de antepor o artigo definido facilita o esclarecimento de eventuais dúvidas (A Bola, A Corunha, A Estrada, A Guarda).
mas há exceções que só a prática da Língua e o seu conhecimento profundo poderão deslindar. o que não se obtém nas grandes cidades, povoadas de gente desenraizada e convencida da sua superioridade "cultural".
voltarei ao assunto.

domingo, 13 de maio de 2012

Ásia

Ásia é uma palavra que para nós, os falantes da Língua Portuguesa, vem do Latim a partir do grego "Ασία". é pelo menos o que dizem alguns linguistas. pois, mas a palavra original também não é grega, e ficamos na mesma. na mitologia grega, Clímene ou Ásia é uma oceânide, filha do Oceano e da ninfa Tétis. mas, para lá de nos dizer que a terra Ásia emergiu do mar, como todas as outras, nada nos esclarece sobre a palavra "Ásia" em si. e, tal como em relação a "Europa", também não há certezas sobre a origem da palavra "Ásia"/"Ασία". 

o termo "Ασία" parece ter origem no acádio "(w)aṣû(m)", ou no fenício "asa", que significam "levantar", "sair, nascer" [o sol], isto é, o Oriente, o Leste. e, a ser verdade (é pelo menos plausível), com isto se percebe como o olhar semita via o mundo, estando no centro dele: de cara a norte, viam à esquerda a Europa ("o Ocidente") e à direita a Ásia ("o Oriente").

terça-feira, 8 de maio de 2012

Europa


não existe qualquer certeza sobre a origem do nome Europa, este subcontinente a oeste das antigas civilizações. o que se sabe é que nos séc. IX e VIII a.C. a palavra designava a parte continental da Grécia e que no séc. VI já abrangia territórios mais a norte.

mas há uma lenda grega que reza mais ou menos assim: havia na cidade de Tiro, na Fenícia, um rei cujo nome era Agenor. Agenor tinha uma filha, Europa, disputada em sonhos por duas grandes terras-fêmeas: a Ásia e a terra de Diante. ambas queriam a princesa, mas era vontade de Zeus que Europa se fizesse ao mar. um dia, a princesa foi passear até à praia e um "touro branco" (*) levou-a de viagem até Creta, onde, apaixonado,  se lhe revela como Zeus e dela teve uma prole, da qual se destaca o rei Minos. 

esta lenda revela a crença numa origem oriental - e por que não fenícia? - do nome Europa. se os gregos tivessem a consciência de terem sido os pais da palavra, esta lenda não faria sentido algum. do outro lado das hipóteses etimológicas, os que veem em "europa" uma "vista larga", de acordo com uma hipotética origem grega (de "eurys", «largo», e ‘ops’, «vista»), devem reparar que mais vistas largas há na Ásia ou mesmo em África, pelo que de "vistas largas" está o mundo cheio.


os fenícios falavam uma língua semita, parente próxima do árabe e do hebraico. e por isso há quem veja a palavra Europa como uma derivada de "eureb"/"erebu", parente do "gharb" árabe, isto é, "o por do sol", "o ocidente". 

esta é a etimologia que faz mais sentido, enquanto não lhe descubram melhor origem. na verdade, não existe nenhum continente tão mentalmente voltado a ocidente, nem tão envolto na ideia de finis terrae.


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(*) "touro branco": se compararmos com outros povos com um tipo de organização social idêntica, a designação "touro branco" pode referir-se a um chefe guerreiro de uma tribo ou [con]federação de tribos, ou ao animal totémico destas.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

os fitotopónimos e os topónimos "Mação", "Maçãs", "Macedo", "Maceira", "Manzanares" e Cª.

na senda dos pseudo-"fitotopónimos", há um grupo que há muito tempo me desafia. é o grupo Mação, Maçãs, Macedo, Maceira, Macieira, Macinhata, e assim por diante. neste particular, praticamente todos os autores que consultei vão pela tese da árvore das maçãs, chegando alguns a esgrimir o argumento do "óbvio". ora eu não conheço nada que seja menos óbvio que as coisas "óbvias". escusado será dizer que nunca acreditei nessa possibilidade, porque em muitos outros lugares há melhores e mais saborosas maçãs, que lhes poderiam dar com mais propriedade tal nome.
alguns autores, pouquíssimos, nos quais me incluía eu próprio, ainda admitíamos a possibilidade de uma relação com "mansio/ -onis": "morada", "habitação", "residência"; "pousada", "estalagem", "albergue". o busílis da questão era, e é, o "s" de mansio, porque nenhum destes topónimos nas suas variantes passadas, presentes e interlinguísticas admite o "s", mas sempre o "c" e seus equivalentes "z" ou "ç". por exemplo, Macieira da Lixa era, no séc XI, uilla Mazanaria. logo, há que buscar outra origem para esta família tão mal conhecida e tão precipitadamente rotulada.
a tese da árvore das "maçãs" como origem destes topónimos também é largamente dominante nas Espanhas de falas galego-portuguesa, castelhana e catalã, onde encontramos, entre muitos outros, Maçaeda (Gz.), Maçana (Cat.), Maceda (Gz.), Macedo (Gz.), Maceira (Gz.), Maceiras (Gz.), Macian (Cas.), Macieira (Gz.), Macinheira (Gz.), Macinheiras (Gz.), Mancegal (Gz.), Mancinheiras (Gz.), Manzanal (Cas.), Manzanares (Cas.), Manzanas (Cas.), Manzaneda (Cas.), Manzanedo (Cas.), Manzanera (Cas.), Manzaneruela (Cas.),...
curiosa é a "Maçana" catalã, já que em Catalão maçã se diz "poma".
vamos a ver: "Mação" tem por si a ribeira de Mação; "Maçãs de D. Maria" tem por si a ribeira de Maçãs; na Espanha de fala castelhana, mais propriamente em Madrid, há o rio Manzanares. em Macieiras que eu conheço há lugares do Ribeiro e lugares das Veigas.
não há dúvida, são ribeiros, regatos, riachos, arroios e veigas a mais.
diz-se que estes topónimos provêm do latim mattiana, de onde deriva "maçã". mas em latim maçã dizia-se malum/ -i - de onde os nossos ossos malares, que dão forma às "maçãs do rosto".
mas ainda que assim fosse, se estes topónimos derivassem de mattiana, como explicaríamos então as formas Mancegal, Mancinheira, Manzanas, Manzanares, que pressupõem um étimo em MNTi?
já vimos que por estes lugares abundam ribeiros, veigas, mananciais. ora, em latim a coisa diz-se manatio/ -onis (corrimento, corrente de água). e cá está: MNTi.
mais um saltinho às Espanhas: encontro Manantial (Cas.), Manantiales (Cas.), Manantials (Cat.), Manantio (Cas.).

fitotopónimos?

ou serão "lugares onde corre [muita] água"?


Maçã
Mação
Maçãs
Maçãs de D. Maria
Maceda (Pt. e Gz.)
Macedo (Pt. e Gz.)
Macedo de Cavaleiros
Macedo do Mato
Macedo do Peso
Macedos (Pt. e Gz.)
Maceira (Pt. e Gz.)
Maceira do Liz (Mecenaria, Macenaria – sec 13, Maçanaria)
Maceiras 
Maceirinha
Maceiro (no séc XI: Mazanario)
Macieira da Lixa (no séc. XI: uilla Mazanaria)
Macieira de Alcoba
Macieira de Cambra (Maceneyra, séc- XII; Maceeira, séc-XIV)
Macieira de Rates (Mazieira, séc XIII)
Macinhata da Seixa
Macinhata do Vouga
Manção
Mancelos
Manços
Praia das Maçãs
Rego de Manços
Ribeira de Maçãs
Ribeiro de Mação
Rio de Maçãs 
Rio Maceiras (Gz.)
Vale de Manços


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

os fitotopónimos e o topónimo Figueira e derivados

tenho expressado as minhas fundadas dúvidas sobre aquilo a que a grande maioria dos mestres considera "fitotopónimos", ou seja, aqueles topónimos derivados de nomes de árvores ou de certos tipos de vegetação. um deles é "Carvalho", designação que, por estranho desígnio, é dada a algumas serras. só aqui à volta de Coimbra há várias serras do Carvalho. isso leva a pensar que são carvalhos a mais para designar a mesma coisa (serra) e que também são carvalhos a menos, pois que cada uma destas serras só teria um carvalho. já falei sobre o assunto, pelo que não vou repetir-me. para mim, "Carvalho" é um orónimo e não um fitotopónimo. ponto. também "Sobreiro" e "Sobreira" nada têm que ver com a árvore de que se extrai a cortiça, pois que se trata de adjetivos (derivados de super ou supra) e não de nomes ou substantivos (derivados de suber, -eris): significam "o lugar ou a aldeia que estão num ponto superior, acima de, sobre". o mesmo se passa com "Oliveira", um topónimo que na Galiza conhece também as variantes Olveira e Ulveira, e cuja origem se associa à existência de um pântano ("ulvaria") antes ou no momento da sua fundação, e não à presença de árvores cujo fruto é a azeitona. o mesmo com "Pereira", cuja designação se refere à existência de pedras (pedreira) e não de árvores de fruto que dão peras. e "Castanheira", que se refere a "Costanheira" (terra que fica na encosta de um monte) e não à árvore que dá as castanhas. ou, ainda, "Pinheiro", que se refere a "lugar que fica no pino" (no alto) e não a uma árvore que dê pinhas e, através delas, pinhões.
em toponímia as convergências e assimilações vão-se estabelecendo ao longo dos séculos, acabando em homonímias que toldam a verdadeira origem dos topónimos.
hoje trago outro "fitotopónimo" do qual tenho as mais que suficientes dúvidas para não acreditar na sua natureza fitotoponímica. trata-se de "Figueira" e alguns dos seus derivados, como "Figueiró" e "Figueiroa", que são seus diminutivos, e "Figueiredo", que aponta para um conjunto de "Figueiras". tal como os seus derivados, "Figueira" não designa arbitrariamente um local qualquer. é sempre nome de lugar habitado. e nesse lugar habitado raramente ou nunca existiu figueira que lhe justificasse tal nome. e, ao contrário, nunca vi terra de figos que se chamasse Figueira.
tenho procurado outras explicações conhecidas e publicadas, mas todas elas (como "fagaria", por exemplo) são tão insatisfatórias como a tese da fitotoponímia ("ficaria"). até que cheguei ao latim "figicare", que deu o verbo "ficar". ora "ficar" significa uma série de coisas interessantes, das quais seleciono:

- fixar, fixar-se
- estacionar em algum lugar
- alojar-se
- permanecer
- existir num lugar, estar localizado em
- estabelecer-se

quer dizer, se Figueira e seus derivados provêm não de "ficaria" (a árvore dos figos), mas de "fi[gi]caria" ("a terra onde se fixa, estabelece, aloja, existe ou permanece alguém"), a coisa ganha novo e compreensível sentido: "Figueira" passa a ser "a terra onde alguém se fixou ou ficou a viver" - o que pressupõe que a gente que primeiro a habitou não era de lá, mas sim que foi deslocada para lá por medida de povoamento.
algumas formas arcaicas , como "Fikeiredo", "Fikiredo, "Fikirola", do séc. XI, assentam melhor na ideia de "ficar", "fixar-se", do que na ideia de "figo". e, como que a querer confirmar o acabo de dizer, temos o topónimo "Casas Figueiras", em Vide, concelho de Seia.

e, então, "Figueira" ganha uma equiparação a "Póvoa".
curiosamente, quase por encanto, percebe-se como em certas "Figueiras", ou na sua proximidade, existem lugares chamados "Póvoa"...

Figueiró e Figueiroa passam, então, a ser ou uma "Figueira" mais pequena, ou uma "Figueira" que derivou de outra, por migração de parte da população. e "Figueiredo" passa a ser um grupo de "Figueiras", quer dizer, "Póvoas".

alguns topónimos Figueira e derivados:

Casas Figueiras
Figueira (Pt., Gz. e Br.)
Figueira da Foz
Figueira de Castelo Rodrigo
Figueira de Lorvão
Figueira do Guincho
Figueiras (Pt. e Gz.)
Figueiredo (Pt. e Gz.)
Figueiredo d' Alva
Figueiredo das Donas
Figueirido (Gz.) - contributo de Xosé Barreiro. muito obrigado.
Figueira dos Cavaleiros
Figueirinha
Figueiró (Pt. e Gz.)
Figueiroa - forma evolutivamente anterior a Figueiró
Figueiró dos Vinhos
Figueirós
Figueirosa
Vale de Figueira

terça-feira, 22 de novembro de 2011

procedimentos inaceitáveis

uma vez mais, acabo de descobrir um post deste blogue copiado na íntegra sem menção da fonte.

este tipo de procedimento não será tolerado.

post original:
http://toponimialusitana.blogspot.com/2006/06/nomes-e-apelidos-de-origem-toponmica.html

nota: o post copiado foi retirado do blogue infrator.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

a "ilha" do Brasil.

a chamada "Carta do Achamento do Brasil" termina assim:

"Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Desde Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha".

a expressão "Carta do Achamento" e o uso do nome feminino singular "ilha" faz-me pensar: dada a impossibilidade de a testemunha e seus companheiros de viagem confirmarem, na altura, se o território onde aportaram era uma "ilha" ou não, indica claramente a ideia pré-concebida com que lá aportaram: a da existência de uma "Ilha" naquelas paragens, algo que estava perdido, foi procurado e "achado". e essa constatação conduz-nos, em segundo lugar, às lendas celtas da existência, a oeste do mar Atlântico, de uma Antília (que alguns creem ser corrupção de Atlântida), Ilhas Afortunadas ou Ilha de São Brandão. este São Brandão, um monge irlandês do séc. V e VI, ficou conhecido pelo famoso "Périplo de São Brandão" ou "Navigatio Sancti Brendani", cuja versão escrita é do séc. X / XI. nesse périplo, São Brandão terá percorrido as costas do Continente Ocidental. esta navegação de São Brandão retoma uma lenda celta da existência de "Bre'asil", o mítico território "vermelho" de além do mar Oceano.
tão forte era a tradição que foi de pouca dura a designação de "Vera Cruz". designação esta que, por sua vez, já não era completamente estranha à tradição celta, como refiro noutro ponto deste blogue.

domingo, 18 de setembro de 2011

canários (Mad.)

"canário", seja gente seja pássaro, refere-se às ilhas Canárias, cujo nome deriva de cão: "ilhas dos cães", ou "canárias". gente destas ilhas, fossem aborígenes guanches feitos escravos, fossem gente forra e até de linhagem, fez parte do contributo étnico do arquipélago da Madeira. dessas raízes étnicas reza memória na toponímia, como é o caso do Lugar do Canário (Ponta do Sol, atual Lugar de Baixo), do Pico do Canário e da Vereda dos Canários. de facto, estes lugares não têm o nome da ave canora de penas doiradas, mas de gente oriunda do arquipélago vizinho.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

trás os montes

ao contrário do que se possa pensar, a designação "Trás os Montes" não se refere a um território situado "para lá" dos montes de Entre Douro e Minho (Marão, Alvão, Barroso, Cabreira, Larouco), visto do lado minho-duriense, mas sim a um território que fica "para lá dos montes" leoneses, visto do lado do antigo reino de Leão. o seu antigo nome, de origem claramente leonesa, "Tra llos Montes", associado à existência de mais que um topónimo "Tramonte" na região fronteiriça galega e galego-leonesa atestam isso mesmo.
além do mais, a palavra pode ter uma interpretação inesperada, tendo em conta que "trasmonte" é o "por do sol", como ainda hoje se pode constatar no italiano "tramonto". na linguagem popular nortenha, a ideia de "tra[s]monte" como ponto cardeal subsiste na expressão "perder a tra[s]montana", ou seja, perder a capacidade de se "orientar" - neste caso, "ocidentar". o mesmo que "perder o juízo".
e, sendo assim, o nome da província portuguesa adquire um significado que se entende bem: as "terras do por do sol", o "ocidente". o que não será novidade nenhuma nesta "ocidental praia"...

é curioso o subtítulo que Théophile Gauthier deu ao seu livro "Voyage en Espagne", publicado em Paris, em 1890. nem mais nem menos: "tra los montes". Espanha (Península Ibérica), o Ocidente do Mundo Antigo, a Separad dos Judeus, o Al-Gharb dos Árabes. Ocidente, sempre. "Far West", como dirá um camone.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

topónimos galego-portugueses terminados em "-e"

quase todos genitivos alatinados do nome de possuidores de terras maioritariamente germânicos, estes topónimos, como muitos outros com origem no nome de proprietários, contribuem para a memória dos nomes de pessoas usados na época da sua criação. de notar que todos os antropónimos originais são formas alatinadas, não latinas.

os topónimos abaixo significam "propriedade de...F.../terras de...F..."

Adaúfe - genitivo de "Athaulfus" (Adolfo)
Afife - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido. uma possível etimologia arábica é pouco provável, dada a localização nortenha do topónimo
Alte - genitivo de "Altus"
Amarante - origem controversa. há quem veja no topónimo um genitivo de um presumível proprietário germânico com um suposto nome de "Amaranthus". porém, o género do topónimo na linguagem local e das redondezas é feminino ("A Amarante"), o que parece incompatível com a tese do genitivo de antropónimo. e, desse modo, há que admitir uma origem pré-romana, céltica, onde está presente o "Marão", a serra de que Amarante é a porta de entrada.
Andrade - genitivo de "Antriatus"
Anelhe - genitivo de "Anelius"?
Ardesende - genitivo de "Ardesindus"
Bagunte - genitivo de "Baguntus"
Bande - genitivo de "Bandus"
Beade - genitivo de "Beatus". também aparece sob a forma Veade
Bente - forma evolutiva do genitivo de "Benedictus"
Boelhe - genitivo de "Boelius"/"Bonelius"?
Boente - genitivo de "Volentius"
Boliqueime - palavra árabe composta de "birr"/"bur"/"bul" (poço) e o genitivo de "Hakeim" (nome do seu proprietário). veja-se a curiosa redundância do topónimo "Poço de Boliqueime" ("poço do poço de Hakeim")
Bousende - genitivo de "Baudisindus"
Cadilhe - genitivo de "Cadilius"
Caíde - genitivo de "Caítus"/"Kaídus"
Calvelhe - genitivo de "Calvellus"
Cête - supõe-se que seja genitivo de um tal "Cetus"
Chorence - genitivo de "Florentius" (Florêncio)
Chorente - genitivo de "Florentius"
Combe - genitivo de "Columbus" (Colombo, Pombo)
Dume - genitivo de "Dumio"
Fafe - genitivo de "Fafus"
Fagilde - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido
Garfe - genitivo de "Garff"/"Warff"
Lobelhe - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido
Melide - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido ("Bellitus"? "Mellitus"?)
Minde - genitivo de "Mindus"
Mogege - genitivo de "Mazegius" (etimologia desconhecida)
Nande - genitivo de antropónimo ainda desconhecido ("Nandus"?)
Nine - genitivo de "Ninus"
Novelhe - genitivo de "Novelius"
Nune - genitivo de "Nunus" (Nuno)
Paderne - genitivo de "Paternus"
Pidre - genitivo de "Petrus" (Pedro)
Punhe - genitivo de "Punius" ?
Rande - genitivo de "Raandus" /"Randus"
Recarei - genitivo de "Recaredus"
Reimonde - genitivo de "Raimundus" (Raimundo)
Resende - genitivo de "Redisindus"
Ronfe - genitivo de "Ranulfus"
Ruílhe - genitivo de "Rodellus"/"Rotellus"
Sande - genitivo de "Sandus"
Segade - genitivo de "Segatus"
Seide - origem controversa. a sua grafia antiga aponta para origem arábica, apesar de se tratar de topónimos nortenhos (norte de Portugal e Galiza).
Sende - genitivo de "Sindus"
Sesulfe - genitivo de um antropónimo germânico latinizado ainda não estabelecido.
Sezulfe - ver Sesulfe
Sinde - genitivo de "Sindus"
Tagilde - genitivo de "Atanagildus"
Veade - ver Beade
Vide - genitivo de "Vitus"

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Gelfa (Xerfa), Gelfas (Jalfas, Jarfas, Xalfas, Xarfas)

estes topónimos têm a caraterística de se situarem junto de água, rios, lagunas, lagoas ou mar, em terrenos de tipo dunar de vegetação bravia: relva, pastos nascediços em terrenos maninhos, lugar de pastagem. a etimologia é desconhecida, embora haja quem lhes descubra uma origem arábica, muito pouco provável - o topónimo predomina na região costeira nortenha, de Aveiro à Corunha. a sua presença no Ribatejo pode dever-se à migração de falantes do norte.
Gelfa aparece em Portugal na Torreira, em Ovar, em Vila Praia de Âncora e em Abrantes. Gelfas existe em Castanheira do Ribatejo. houve em tempos o topónimo "Gelfamar", correspondente a uma mata no termo de Faria (v. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico).

conta-se que na Lagoa das Jalfas ou Jarfas (Xalfas, Xarfas), em Muros (Gz.), houve em tempos uma cidade. mas um dia, por volta da meia noite, quando todos dormiam, o mar subiu, galgou as dunas e engoliu a cidade e todos os que nela viviam (ecos de uma lenda atlante? explicação fantasiada da formação da lagoa?).ainda hoje, no dia de são João, se ouvem os gemidos da gente e dos animais que ali morreram afogados. os sinos da igreja repenicam, e até há quem veja uma moça vaidosa a pentear-se ao espelho (cf. Galicia Encantada, Enciclopedia de Fantasia Popular de Galicia).